A Polícia Federal não incluiu o general Braga Netto na lista de alvos da Operação Contragolpe, em novembro, apesar de a investigação sobre o planejamento e os atos para a execução de um golpe de Estado no Brasil apontar participação ativa do general reservista. Braga Netto aparece em mensagens trocadas com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, incentivando a ruptura institucional e incitando atos de violência contra o então Comandante do Exército, general Freire Gomes, nos dias mais críticos da articulação golpista, entre 7 e 15 de dezembro. “Cagão”, chegou a referir-se ao comandante que se recusava a embarcar no golpe.
O questionamento do que faltou para prender Braga Netto foi feito ao diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, em uma coletiva de imprensa no dia 4 de dezembro, e a resposta pareceu evasiva: “Nós não agimos com emoção, não agimos por deleite, por vontade individual. Nós agimos com a Constituição e a lei. Na avaliação da equipe de investigação, os pré-requisitos de prisão preventiva não eram aplicáveis para esse cidadão.”
Um requisito, contudo, apareceu menos de dez dias depois: a Polícia Federal fez uma representação no Supremo Tribunal Federal apontando obstrução de justiça. E, com autorização do ministro relator, Alexandre de Moraes, menos de dez dias depois da coletiva, a PF cumpriu, neste sábado (14), o mandado de prisão de Walter Braga Netto, o militar de alta patente que, em poucos anos, saltou de interventor na segurança pública do Rio de Janeiro para ministro (da Casa Civil e da Defesa) no governo Jair Bolsonaro, e depois venceu a corrida para ser o candidato a vice-presidente na chapa eleitoral da reeleição em 2022.
Em nota, a PF alegou que “as medidas judiciais têm como objetivo evitar a reiteração das ações ilícitas”. Segundo apurou a piauí, Braga Netto estava interferindo na delação de Mauro Cid, tendo acesso à colaboração premiada, e tentando influenciar nas versões do ajudante de ordens de Bolsonaro. Além disso, a representação da PF traz suspeitas de ligação entre Braga Netto e o financiamento do movimento golpista.
No inquérito de investigação, ficou demonstrado que Braga Netto cedeu sua casa para diversas reuniões acerca do plano golpista e participou intensamente de trocas de mensagens cujo objetivo era encontrar meios para impedir a posse do presidente eleito e a tomada do poder, o que configura crimes contra o Estado Democrático de Direito – pelos quais foi indiciado (um dos 37 indiciados), no mês passado.
Três episódios demonstram a gravidade de sua participação na trama golpista:
- Incitação à violência contra o Comandante do Exército: Em 14 de dezembro de 2022, Braga Netto compartilhou com Ailton Barros, um ex-militar ligado a Bolsonaro, uma mensagem que recebeu de um membro das Forças Especiais criticando o General Freire Gomes, então Comandante do Exército, por sua postura legalista. A mensagem dizia: “Meu amigo, infelizmente, tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do Gen Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”. Em resposta, Barros sugeriu “oferecer a cabeça” de Freire Gomes “aos leões”. Braga Netto concordou, respondendo: “Oferece a cabeça dele. Cagão”. O General Freire Gomes confirmou em depoimento que as ameaças de Braga Netto se deviam à sua recusa em anuir com o plano de ruptura institucional.
- Articulação para a execução do “Plano Punhal Verde Amarelo”: A Polícia Federal descobriu um documento intitulado “Punhal Verde Amarelo”, elaborado em novembro de 2022, que detalhava um plano para a tomada do poder. O plano incluía a criação de um gabinete de crise no COTER (Comando de Operações Terrestres) e a prisão ou execução do Ministro Alexandre de Moraes, considerado o principal obstáculo para o golpe. Embora o documento não menciona Braga Netto diretamente, mensagens e depoimentos indicam que ele participou de reuniões em que o plano foi discutido. A investigação aponta que Braga Netto era um dos líderes do “Núcleo de Oficiais de Alta Patente” , responsável por influenciar e incitar outros grupos a apoiar o golpe.
- Disseminação de desinformação e ataques contra opositores: Braga Netto atuou ativamente na disseminação de desinformação e ataques contra figuras que se opunham ao golpe, utilizando a estrutura da milícia digital bolsonarista. Ele orientou Ailton Barros a “sentar o pau” no Tenente-Brigadeiro Baptista Júnior, então Comandante da Aeronáutica, e em sua família, por este ter se posicionado contra a ruptura institucional. Braga Netto também determinou que Barros espalhasse notícias falsas para prejudicar a reputação do General Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva. Essas ações, coordenadas por Braga Netto, visavam silenciar opositores e criar um clima de instabilidade para justificar a intervenção militar.
Neste sábado, além da prisão de Braga Netto, a PF fez busca e apreensão em endereços do coronel Flávio Peregrino, assessor de Braga Netto desde o governo Bolsonaro até o Partido Liberal. Foi na mesa de Peregrino, na sede do PL, durante a Operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro passado, que a PF apreendeu um documento manuscrito que detalhava a Operação 142, cujo título alude ao artigo da Constituição, que previa anular eleições, prorrogar mandatos em curso, substituir membros do TSE e convocar nova eleição. Fora escrito entre novembro e dezembro de 2022. Terminava com uma previsão peremptória: “Lula não sobe a rampa.”
Em 7 de dezembro de 2024, a defesa do general da reserva emitiu uma nota negando sua participação no plano de golpe. “A Defesa técnica do General Walter Souza Braga Netto reitera que o cliente não tomou conhecimento de documento que tratou de suposto golpe e muito menos do planejamento para assassinar alguém. Dessa forma, o General não coordenou e não aprovou plano qualquer e nem forneceu recursos para si.”
Ao contrário do que diz sua defesa, as digitais do general, assim como as de Bolsonaro, estão no plano golpista investigado pela PF. A trama foi esmiuçada pela piauí na reportagem O Golpista, publicada na edição deste mês da revista.