Mortes anunciadas – revista piauí

Fazia quatro meses que o motoboy Samuel Ribeiro Alves, de 29 anos, tinha se tornado pai de uma menina em Brasília. Fazia uma semana que o garçom Leandro de Oliveira Silva, de 26 anos, comprara uma arma de fogo sem registro em uma cidade próxima da capital federal. Em março de 2010, o caminho de um cruzou o caminho de outro, e o encontro terminou em tragédia.

Aconteceu em Samambaia, cidade satélite do Distrito Federal. Silva conversava com amigos em um bar quando viu seu carro ser atingido acidentalmente pela motocicleta de Alves. Ficou nervoso ao perceber que o retrovisor quebrou na colisão, e sua reação foi empurrar a motocicleta de Alves, que tombou no chão. Os dois discutiram no meio da rua, e começaram um confronto físico: Alves usou o capacete para atingir Silva, que sacou sua arma e desferiu um tiro em seu oponente.

Alves morreu no hospital. Como muita gente testemunhou a briga, não foi difícil atribuir a autoria do crime. Mas, até o julgamento chegar à última instância, em 2019, Silva passou nove anos em liberdade, fazendo bicos como garçom e barbeiro. Segundo seu pai, o servidor público aposentado Etelvino Miguel da Silva, o filho, arrependido, pedia perdão a Deus “todos os dias”.

Silva foi condenado a dezoito anos de prisão por homicídio qualificado por motivo fútil. “Vou morrer na cadeia”, disse ele na última visita que fez à casa dos pais. Quando o deixaram sozinho por um momento, ele foi até a garagem da casa e cortou os pulsos. Levado ao hospital, sobreviveu.

Silva foi conduzido à Penitenciária do Distrito Federal – PDF-I, que compõe o Complexo Penitenciário da Papuda, uma verdadeira cidade penitenciária em Brasília. Desde 1979, data em que foi inaugurada para 240 presos, a Papuda não parou de crescer – nem a população que vive lá dentro. O conjunto expandiu sua lotação para 7,3 mil vagas, mas o número de presos é quase o dobro (11.105), segundo informações oficiais da administração do Distrito Federal. Ainda há pavilhões em obras, o que faz da Papuda um organismo que não cessa de expandir. Somente a PDF-I, para onde Silva foi levado, tem capacidade para 1.584 homens, mas abriga 3.748. Por ser um dos mais antigos, é também o que tem instalações em piores condições, segundo presos e advogados ouvidos pela revista.

No PDF-I, Silva foi instalado no Bloco E, conhecido pelos internos por ser um lugar com algumas vantagens, como a possibilidade de estudar e trabalhar. As celas de 3 metros de largura por 7 metros de profundidade, com oito camas, eram divididas em geral por mais de vinte presos. Um buraco no chão fazia as vezes de privada. A água fria do banho descia de um cano posicionado acima de outro cano, que cumpria as funções de pia. Como a superlotação elevava a temperatura das celas, os internos se banhavam o tempo todo, conforme a descrição de um colega de Silva. 

A mãe de Silva, a dona de casa Marly de Cássia Oliveira, temia que o filho voltasse a tentar suicídio. Dois meses depois da entrada na Papuda, ela pediu para que a Defensoria Pública informasse à administração penitenciária que Silva tinha depressão e precisava de acompanhamento médico. Marly Oliveira sempre recorria à Defensoria Pública, que elaborava uma petição, que era entregue à Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, que consentia ou não na demanda. Além dessa já morosa burocracia, muitas vezes o pedido se perdia no labirinto de ordens internas do presídio.

Em outubro de 2020, durante a pandemia, Leandro Silva sofreu um castigo na prisão porque acharam, segundo seu pai, entre os pertences dele a cartela de um remédio para dormir. Existe na Papuda e em grandes complexos carcerários do país um mercado oculto de medicamentos psiquiátricos, especialmente calmantes, que aplacam um dos principais sintomas entre prisioneiros, a insônia. A hipótese dos policiais foi a de que Silva estava repassando o remédio a outros prisioneiros. O pai o defende: “Meu filho dizia que não conseguia dormir com apenas um comprimido que o psiquiatra tinha receitado. Nós elaboramos petições para pedir novas consultas, mas não fomos atendidos. A juíza informava que a demanda dependia da opinião de um médico da unidade prisional.”

O psiquiatra da unidade havia sido afastado temporariamente durante parte da pandemia, segundo o pai de Silva e uma pesquisadora do caso, Camila Prando, que coordena o Observatório de Saúde Pública e Prisional do Distrito Federal. O dado foi confirmado ainda por um funcionário do presídio. A morosidade na tratativa judicial, segundo Etelvino, fez com que Silva adotasse uma estratégia. “Como um comprimido não fazia efeito, ele passou a tomar dois comprimidos em uma mesma noite, e ficava a noite seguinte sem tomar nada, e também sem dormir.” A outra opção era a seguinte: “Ele tomava dois remédios por noite durante quinze dias, e depois ficava os outros quinze dias sem tomar nada e sem dormir.” Etelvino não sabe dizer o nome da medicação. César, um ex-detento que foi seu amigo na Papuda, diz que Silva sofria com a insônia e que de fato revendia remédio para poder comprar outras coisas, como o direito de dormir em uma cama.

O castigo era conhecido dentro da Papuda: a cela de disciplina, onde, segundo relatos que chegaram ao pai de Silva, passava-se fome e frio. “Vou usar uma expressão conhecida lá: a pessoa vai ‘na pedra’. Sem seus pertences, sem nada, e fica ali na pedra [referência à rigidez do material com que as camas são construídas]”, explicou César. A seu amigo, Silva se disse arrependido pelo crime que cometeu.  

A Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal diz, em nota enviada à piauí, que para cada óbito no sistema penitenciário é aberto um procedimento administrativo, e a Polícia Judiciária é “devidamente comunicada”. A pasta também informou que os prisioneiros, quando vão para a cela destinada ao cumprimento de isolamento disciplinar, “levam todos os seus pertences”. “Essas celas possuem características semelhantes às demais, como preconiza a Lei de Execuções Penais”, afirma a nota. A secretaria não quis dar informações sobre o caso de Leandro Silva, “em atenção à Lei Geral de Proteção de Dados”.

Ao retornar do castigo, Silva foi transferido para o Bloco D, que tem piores condições. Em 17 de maio de 2021, ele passou outros sete dias na cela de disciplina, pela mesma acusação de distribuir remédios. Nas primeiras noites que Silva passou isolado, o Inmet registrou mínimas de 12 graus em Brasília.

Na noite de 7 de junho, Silva começou a sentir uma dor no peito, e os presos cuidaram dele durante a madrugada, sem reportar nada aos carcereiros, porque não queriam apanhar dos policiais plantonistas, segundo outro amigo de cela – ele disse que isso era comum, para coibir demandas pelo serviço de saúde durante o período noturno. Um documento interno registrou contudo que a interferência dos presos se deu por outra razão: porque os protocolos da pandemia determinavam que, quando um preso contraísse Covid, seus colegas de cela teriam a visitação suspensa. 

Silva passou a noite inteira sentindo falta de ar e com febre. O mesmo companheiro de cela, que depôs em investigação do Ministério Público, disse que, por volta das 7 horas do dia seguinte, os colegas chamaram os agentes penitenciários porque viram que o caso era grave. Às 10 horas, o médico David Alves Teixeira Lima passou pelo Bloco D sem ter sido acionado por nenhum dos agentes penitenciários. “Fui atender outros pacientes e ouvi uma pessoa me chamar. Foi nesse momento que tomei conhecimento do caso do Leandro. Pedi aos policiais que retirassem ele e o levassem para a unidade de saúde, o que foi feito”, diz Teixeira Lima. Uma testemunha conta que Silva ficou esperando até cerca de 17 horas.

Da unidade de saúde prisional, Silva foi levado ao Hospital Regional da Asa Norte. Chegou com falta de ar e, segundo o prontuário do hospital, foi atendido pouco depois das 18 horas. Fez exames e foi internado na ala conhecida como Papudinha, onde havia oito leitos com correntes e algemas para prisioneiros, além de um sistema de câmeras de vigilância. Testou negativo para Covid. O último registro médico foi feito à noite. No dia seguinte, 9 de junho, encontraram-no morto. Às sete da manhã, um médico escreveu no prontuário: “Relato que a escolta presente informou que em nenhum momento o paciente manifestou pedido de ajuda ou solicitação de reavaliação médica durante o período que permaneceu na unidade de internação.”

A causa da morte ficou como “a esclarecer” na declaração de óbito, que é um documento médico provisório – depois da autópsia é que se emitiria o atestado e, por fim, a certidão de óbito. O documento em que os policiais da escolta dizem que Silva não se manifestou por medo de represália tem horário posterior ao de sua morte.

O pai de Silva recebeu uma ligação e foi informado de que o filho havia morrido em decorrência da Covid. Só que, depois, segundo relata, com um pedido de autópsia em mãos, deparou-se com uma interrogação bem ao lado do nome da doença: “Covid?”. Outro laudo apontava que havia uma extensa lesão nas costas de Silva, “compatível com abscesso de foliculite”, causada por infecção bacteriana. Um agente pediu que Etelvino retirasse o corpo do Instituto Médico Legal (IML), mas o pai de Silva disse que só faria isso depois que a causa correta da morte fosse determinada.

Um teste feito depois da morte deu resultado positivo para Covid, mas seu pai conta que não acredita que ele tenha morrido em decorrência da doença.. O corpo ficou quase três meses no IML. Por fim, foi emitido um atestado de óbito que diz que a causa da morte foi uma sepse, que é uma descrição genérica, pois pode decorrer de várias doenças. Etelvino e a Defensoria Pública pediram que fosse investigado se Silva foi vítima de tortura e negligência. A hipótese levantada por advogados e familiares é que ele tenha adoecido por causa das condições na cela, desenvolvendo uma pneumonia.

O caso de Leandro Silva é um em muitos milhares, de mortes na reclusão  por negligência, condições insalubres e falta de cuidados médicos, muitas vezes sem que se saiba ao certo as razões dos óbitos, dando margem à desconfiança dos familiares.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a partir de dados coletados em pastas da saúde e das administrações presidiárias em todo o país, mostra uma máquina de produção de penas capitais funcionando dentro das cadeias brasileiras: nos últimos cinco levantamentos, entre 2019 e 2023, foram contabilizadas mais de 10 mil mortes. Os índices apontam uma taxa de mortalidade variando entre 260 e 300 a cada 100 mil para prisioneiros, e de 170 a 200 a cada 100 mil para brasileiros do mesmo perfil etário.

Em 2023, dos 3.091 óbitos registrados nas prisões, 1.446 resultaram de problemas de saúde, número inexplicável para o perfil dominante da população carcerária, que é jovem: quase 86% dos presos têm entre 18 e 45 anos. No mesmo ano, 207 presidiários cometeram suicídio, índice três vezes maior em relação à população do país, ainda segundo dados da pasta dos Direitos Humanos.

Números do ano passado mostram que não houve melhora nas mortes por problemas de saúde, que atingiram o total de 1.468. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) informa que as doenças transmissíveis mais comuns em presídios são a Aids, a tuberculose, a sífilis e as hepatites. A população carcerária, que corresponde a cerca de 0,3% da população do país, concentra 11,5% de todos os casos de tuberculose em território nacional, segundo dados da Fiocruz de 2019 publicados ano passado.

O relatório do anuário de Segurança Pública aponta ainda 698 mortes em 2023 por “causa desconhecida”, ante 400 registradas na mesma categoria um ano antes. As causas desconhecidas foram analisadas pelo Comitê Nacional de Justiça, instituição pública  comandada pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, em um relatório chamado Letalidade prisional: uma questão de justiça e saúde pública, em que o caso de Leandro Silva é revisto por uma junta de pesquisadores com a missão de aprimorar o sistema judiciário, e onde se levanta a hipótese de que as ações adotadas pelo presídio no caso dele podem ser classificadas como tortura.

A elevação desses números acompanha o aumento da população carcerária no Brasil, que chegou ao total de 850.377 pessoas no fim de 2023 (ou 648.970 excluindo-se os casos de prisão domiciliar), representando um aumento de 21% ao registrado ao longo de quase uma década, segundo dados do Sisdepen. De acordo com números do segundo semestre do ano passado, os presos estão distribuídos em 1.387 unidades em todo o país, que somam 495 mil vagas.

A morosidade é outra grande inimiga dos doentes nas prisões, uma vez que internações, cirurgias e tratamentos dependem de burocracias e da iniciativa dos administradores. Em dezembro passado, Tanaka Lawre morreu por sepse, como diz genericamente seu atestado de óbito. Natural da Guiana, ela cumpria pena de 25 anos no Brasil por tráfico, no Centro de Progressão Penitenciária Feminino de São Miguel Paulista, na Grande São Paulo, mas já usufruía do regime semiaberto. Distante dos filhos, que moram nos Estados Unidos, dependia de seu advogado, Lucas Lopes, para quase tudo: era a ele que reclamava das dores que começou a sentir em outubro de 2023 no abdome, associadas a um sangramento.

Quando foi internada, em 27 de novembro de 2023, os médicos identificaram um mioma no útero. E então ela viveu um ano de agonia. Foi operada apenas em 5 de dezembro de 2024, teve seu útero extraído, mas voltou pior para sua cela. Outras prisioneiras relataram a Lopes que, em seus últimos dias de vida, ela urrava de dor. Ela faleceu no dia 12 de dezembro.

As milhares de mortes dentro do sistema carcerário brasileiro não estão acontecendo sem uma reação organizada de familiares dos presos, como a Associação de Amigos e Familiares de Presos/as (Amparar), fundada em São Paulo, em 2004. Essa rede passou a reunir especialmente mulheres que perderam seus filhos tanto na Fundação Casa como no sistema prisional. Uma das fundadoras, Miriam Duarte Pereira, diz que em um ano (junho de 2023 a junho de 2024) atendeu 782 parentes de presidiários, muitos deles em recuperação de seus lutos.

A Amparar mantém contato com outras associações similares, como a Vozes, do Ceará, que nasceu em 2013 e já fez diversas denúncias de maus-tratos e tortura nas unidades da Fundação Casa do estado. “Sofremos diversos tipos de ameaça, inclusive nos criminalizam por causa da nossa luta”, diz uma das mães da associação (que pediu para não ser identificada). Com a crise e os diversos casos confirmados por órgãos competentes sobre a prática de tortura e de abandono de menores em unidades precarizadas, o governo brasileiro passou a ser notificado em 2017 pela Organização dos Estados Americanos (OEA) por desumprimento de direitos dos presos . Segundo a mesma mãe, 5 mil pessoas já procuraram ajuda do Vozes, que ela define como “um grupo matriarcal, de mulheres em sua maioria negras, trabalhadoras e moradoras da periferia”.

O relatório Letalidade prisional destacou um caso ocorrido em 2013 em que a Justiça reconheceu em primeira instância a responsabilidade tutelar do Estado sobre uma morte no sistema prisional paulista. Em 2018, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou que o estado indenizasse os pais de Pedro (nome fictício usado no relatório) pela morte do filho. O valor fixado foi de 200 mil reais.

Pedro foi preso em novembro de 2011, aos 19 anos, por roubar um carro. Passou pelo Centro de Detenção Provisória I de Guarulhos e, um mês depois, apresentou sintomas como vômito, tosse e bolhas de água no corpo. Ele recebeu primeiro o diagnóstico de rubéola e, mesmo tendo sido medicado, não se recuperou. Um segundo diagnóstico apontou tuberculose.

O rapaz foi transferido para a Penitenciária II de Avaré e, durante uma visita feita em abril de 2013, seus pais notaram que ele estava debilitado e sem tratamento de saúde. Havia feito um teste para tuberculose na unidade prisional, com resultado negativo. Segundo declararam os pais à Defensoria Pública, Pedro tinha dificuldade para ficar sentado e não conseguia respirar. Eles tinham feito pedidos para que o filho fosse levado ao hospital, o que foi negado. Pedro só reiniciou o tratamento para tuberculose em junho.

Em uma visita no dia 31 de agosto, os pais de Pedro tiveram dificuldade para reconhecer o filho. Ele estava sujo, com os pés inchados, e a ponta dos dedos com necrose. A mãe do rapaz relatou que ficou assustada com o sangue que escorria a cada vez que ele assoava o nariz. Apenas em 6 de setembro foi feita uma solicitação de encaminhamento ao Pronto Socorro Municipal de Avaré. Três dias depois, Pedro morreu no hospital, aos 20 anos.

Um laudo de perícia do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc) diz que houve “adequação do tratamento médico dispensado a Pedro” e atribui a piora clínica “à sua desnutrição e à dor abdominal que o acometeu pouco antes do seu falecimento”. O perito afirma que o tratamento contra tuberculose foi correto e que “a piora clínica se deu às custas da desnutrição, que não foi esclarecida”. Segundo ele, “o periciando referia mal-estar, náusea, vômito e queda de pressão e informou que não gostava da comida, só tomava leite e comia pão”.

O atestado de óbito de Pedro diz que a causa de sua morte não foi determinada. O médico que assinou o documento, Roslindo Wilson Machado, é hoje o secretário de Saúde do município de Avaré. Ele não respondeu aos pedidos de entrevista da piauí. Uma investigação do caso feita em defesa do Estado descartou a “responsabilidade da administração penitenciária pela morte do interno”. Afirmou ter sido comprovado “que todos os cuidados foram despendidos pelos servidores das penitenciárias em que o sentenciado passou e pelos profissionais da saúde que o atenderam”.

A Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo disse que Pedro deu entrada na Penitenciária II de Avaré com quadro de saúde estável e que, na entrevista com a equipe médica, informou que havia concluído um tratamento para tuberculose na prisão de Guarulhos. O órgão afirmou ainda que, no dia 13 de junho de 2013, Pedro não se sentiu bem e foi atendido na enfermaria da unidade prisional. Depois da consulta, foi submetido a exames laboratoriais que deram positivo para a tuberculose. Um mês depois, no dia 12 de julho, o interno foi conduzido à Santa Casa local, onde permaneceu internado até o dia 16. “De volta à unidade prisional, recebeu novo atendimento médico e teve alta. Mas, em setembro, foi novamente levado à Santa Casa de Misericórdia de Avaré, onde morreu”, descreveu a secretaria.

O prontuário de Pedro mostra lacunas, algumas de até três dias, na administração do medicamento receitado para o tratamento de tuberculose, dado que amparou a sentença contrária ao estado em primeira instância. Mas, depois da morte do prisioneiro, disse a secretaria, “uma apuração interna atestou o atendimento prestado ao reeducando”. Quando foi preso, Pedro pesava 78 kg. Pouco antes de sua morte, seu peso era 54,5 kg. À piauí, a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo disse que o processo no Tribunal de Justiça de São Paulo responsabilizando o Estado pela morte de Pedro foi considerado improcedente e extinto. Os pais não foram indenizados.

Diferentemente das histórias de Pedro, Silva e Lawre, a Justiça deu ganho de causa à família de Claudinei de Oliveira Bitencourt,  que morreu enforcado em 2017, enquanto cumpria pena na penitenciária de Nova Andradina, em Mato Grosso do Sul. Os suicídios nas cadeias não entram na quantificação de mortes naturais, embora tenham origem em quadros clínicos psiquiátricos. Não bastasse esse paradoxo, há casos reportados como suicídio que, após contestação, ganharam outras explicações. Foi o que se passou com Bitencourt.

Ele foi encontrado morto com o corpo suspenso por uma corda amarrada no pescoço e atada às grades de sua cela. A primeira hipótese levantada foi de suicídio por enforcamento. Mas uma perícia apontou incompatibilidades com essa hipótese, como a de que o corpo havia sido suspenso, em vez de tombar para baixo. O advogado que representou os pais e irmãos do detento contra o estado de Mato Grosso do Sul defendeu que Bitencourt havia sido morto. O juiz acatou a tese e responsabilizou o Estado por não evitar o crime, como é sua obrigação legal no caso de um preso. “Não havia outra forma de ter ocorrido o homicídio, se não por ausência de efetiva vigilância dos policiais na guarda da população carcerária”, afirmou o juiz na sentença, em 2022.

A Lei Geral de Proteção de Dados garante ao Estado sigilo sobre seus tutelados, como os presidiários, e não é possível obter dados específicos sobre mortes no prisional nem mesmo via Lei de Transparência e Acesso à Informação. Segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, órgão que concentra essas informações, a coleta deles é feita a cada seis meses, a partir de tabelas enviadas por cada estado. A base não requer que seja incluído nenhum documento. “Cada gestor tem autonomia para estabelecer rotinas e fluxos de alimentação de dados”, afirma a secretaria. A piauí tentou rastrear alguns dos casos de mortes para saber como foram registradas no relatório de letalidade prisional do Anuário de Segurança Pública. O relatório Letalidade Prisional aponta a possibilidade de subnotificações.

Em outubro de 2023, o STF julgou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, que reconheceu “a violação massiva” aos direitos fundamentais de presidiários no sistema carcerário brasileiro. A decisão determinou que o governo e as unidades federativas elaborassem planos de intervenção, com diretrizes para reduzir a superlotação dos presídios, o número de presos provisórios e a permanência por tempo superior ao da pena determinada nos tribunais.



Piauí Folha

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