A Câmara dos Deputados estava tomada por militares das Forças Armadas na manhã desta terça-feira (02), no mesmo dia em que do outro lado da Praça dos Três Poderes,no Supremo Tribunal Federal, começou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus, entre eles generais, comandantes e parte da cúpula militar que governou o país. Todos são acusados de articularem um golpe de estado.
Mas não era tudo muito bossa nova, tudo muito natural. O ambiente não estava barulhento como costumavam ser os acampamentos montados em frente aos quartéis após Bolsonaro perder a eleição; nem raivoso, como aquele que se instalou na Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro, quando manifestantes fizeram o quebra-quebra do patrimônio público – os dois eventos, aliás, são parte da denúncia elaborada pela Procuradoria-Geral da República na acusação contra o ex-presidente e seus cupinchas.
Na entrada do plenário Ulysses Guimarães, cerca de quinze soldados do Exército estavam enfileirados formando um corredor para recepcionar os presentes. Próximo deles, na porta, um banner explicava a presença ostensiva dos verde-oliva na Casa. “Heróis sempre lembrados. FEB 80 anos”, em alusão à participação dos militares brasileiros na 2ª Guerra Mundial e à vitória na Batalha de Montese, na Itália.
Enquanto Alexandre de Moraes lia as primeiras palavras do relatório que embasa a acusação contra Bolsonaro e sua trupe, algo como um resumo do caso, a Fanfarra dos Dragões da Independência, banda do 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (1º RCG) do Exército Brasileiro, entoava o Hino Nacional na parte superior do plenário para abrir a sessão solene. Apenas dois parlamentares marcaram presença: os deputados Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), que propôs a homenagem, e Pedro Aihara (PRD-MG). “Eu queria que o Hugo Motta estivesse aqui”, lamentou Hauly em sua fala. O presidente da Câmara, no entanto, não deu as caras.
O deputado paranaense convocou os representantes das três forças para se juntarem a ele na Mesa Diretora: o tenente brigadeiro do ar Alcides Teixeira Barbacovi; o general de brigada Sandro Silva Cordeiro; e o contra-almirante Silva Filho. José Múcio, ministro da Defesa, não compareceu, mas foi representado pelo almirante Aguiar Freire, chefe do Estado-Maior do Conjunto das Forças Armadas. Continências, apertos de mão e discursos protocolares dos militares: nenhum deles fez menção ao julgamento no STF.
Hauly, no entanto, não se conteve e quebrou o protocolo durante seu discurso. “Do outro lado da rua está acontecendo algo que toma a atenção de todo país”, disse apontando o dedo na direção do Supremo. “Eu defendo que a anistia só deve ser dada àqueles do 8 de janeiro”, prosseguiu, ressaltando que, em troca da prisão, eles deveriam ter as penas convertidas em serviço comunitário porque foram “massa de manobra”. “Os outros”, disse o deputado, “devem esperar mais um pouco”. Nenhum dos convidados esboçou uma reação digna de nota.
Questionado pela piauí após a sessão se “os outros” são Bolsonaro e a cúpula militar que está sendo julgada, Hauly disse: “Eu quis dizer que os demais casos ficam para outra oportunidade, e que agora devemos anistiar só os que participaram diretamente do oito de janeiro, que estão há quase três anos na amargura”. Também explicou a coincidência das datas. “Era pra gente ter marcado antes, mas na época, coincidiu com outras coisas. Tinha que ser numa terça de manhã, para bater com minha agenda e dos militares.”
O deputado Aihara fez coro, tentando acabar com qualquer especulação. “Sendo bem sincero, como estamos falando de uma coisa histórica, acho que não provoca nenhum simbolismo com o julgamento. Foi uma coincidência mesmo e acredito que ninguém entendeu como algo coordenado.”
No fim da sessão, a fanfarra do Exército executou a Canção do Expedicionário, composta para homenagear os combatentes da FEB. Lá fora, nos arredores da praça dos Três Poderes, barricadas, grades e estruturas metálicas faziam a proteção do local, em uma mistura de operação de segurança para o julgamento no Supremo e organização para as comemorações do 7 de setembro. Os militares foram ao Congresso. Mas está tudo bem.