Dino envia à PGR apuração sobre kits de robótica que envolve Lira

Flávio Dino e Arthur Lira se encontraram na terça-feira (20), em Brasília, durante uma reunião tensa da qual participaram todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, dois ministros do governo Lula, o procurador-geral da República e os presidentes da Câmara e do Senado. Estavam ali para discutir as determinações do STF, que na semana passada suspendeu o pagamento de emendas Pix e impositivas do Congresso. Dino e Lira trocaram farpas, mas, no final, o clima foi de acordão: determinou-se que as emendas voltarão a ser pagas, contanto que o Congresso se comprometa com algumas regras de transparência.

Um dia depois, nessa quarta-feira (21), Dino assinou sem alarde um despacho que pode atingir Lira. O ministro encaminhou ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, uma lista de 21 processos que envolvem possíveis irregularidades na execução de emendas de relator (conhecidas como RP 9). Entre eles, está a investigação sobre a compra superfaturada de kits de robótica em Alagoas, que envolve assessores próximos a Lira.

A lista de processos foi montada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a pedido de Dino. Agora, o ministro a enviou para o órgão que tem poder de investigá-las criminalmente. “A Procuradoria Geral da República deverá ter ciência [dos processos], para as providências que julgar cabíveis”, escreveu Dino. Além dos kits de robótica, estão nesse pacote as fraudes cometidas contra o SUS no Maranhão (reveladas pela piauí) e suspeitas de irregularidades no programa Calha Norte e na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal loteada por partidos do Centrão.

O inquérito contra Lira foi arquivado, em setembro do ano passado, pelo ministro Gilmar Mendes. Ele acatou o argumento da defesa, segundo o qual a investigação mirava, desde o começo, o presidente da Câmara – e, por isso, não poderia ter começado na primeira instância, já que Lira tem direito a foro privilegiado. Mendes não apenas trancou a parte da investigação que poderia envolver Lira: ele arquivou tudo e mandou destruir as provas. O despacho de Dino pode fazer com que o inquérito seja reaberto, se assim a PGR decidir. 

O escândalo dos kits de robótica, revelado pela Folha de S.Paulo, resultou na Operação Hefesto, deflagrada em 1º de junho de 2023. Agentes da Polícia Federal cumpriram mandados de busca e apreensão nos endereços de Luciano Cavalcante, principal auxiliar de Lira, e do motorista de Cavalcante, Wanderson Ribeiro Josino de Jesus. O inquérito, iniciado pela PF em Alagoas, apurava o desvio de 8 milhões de reais na compra dos kits pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A PF chegou até o assessor de Lira ao seguir o dinheiro movimentado pela Megalic, fornecedora dos equipamentos. Segundo a investigação, a empresa repassou valores para Pedro Magno, um empresário de Brasília, e sua mulher, Juliana Cristina. Os dois foram presos temporariamente sob suspeita de operar desvios de verbas públicas utilizando-se de empresas de fachada.

A operação, batizada em referência a Hefesto, deus grego da tecnologia e da metalurgia, apreendeu uma bolada de 4 milhões de reais em um cofre de um dos investigados. Dinheiro que, até hoje, está sob custódia estatal. A PF apurou que a Megalic repassou 550 mil reais à construtora EMG, de Alagoas, que, segundo os investigadores, construiu uma casa para Luciano Cavalcante. A piauí revelou que os agentes apreenderam no endereço de Wanderson, o motorista, anotações sobre onze pagamentos para um “Arthur” entre abril e maio de 2023, no valor total de 265 mil reais. Esses pagamentos incluíam despesas como hospedagem em hotel, manutenção de veículos e outras transações financeiras. Como a investigação chegou ao nome de Lira, o caso foi remetido ao Supremo devido ao foro privilegiado.

Nenhuma dessas informações consta no despacho de Dino, que também não menciona o arquivamento do caso por Gilmar Mendes. O procurador-geral da República, no entanto, agora tem em mãos os instrumentos necessários para reabrir a investigação. Caso o faça e decida apresentar uma denúncia, ela será apreciada diretamente pelo Supremo – diferentemente do que foi feito da outra vez e que possibilitou o arquivamento do caso.

 

Na semana passada, dias antes do despacho de Dino, o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) já havia entrado com representação na PGR pedindo a abertura de um inquérito criminal ou civil para apurar a compra dos kits de robótica. Valente argumentou que a anulação das provas por Gilmar Mendes não invalida a necessidade de investigação. O deputado solicitou que Gonet utilize provas ainda válidas para prosseguir com o inquérito.

O timing da decisão de Dino é delicado. Deixa emparedado o presidente da Câmara  num momento em que ele tenta projetar força para conservar a farra das emendas e emplacar um sucessor na presidência da Câmara. O despacho, além disso, tensiona ainda mais a relação entre Dino e Lira. O ministro, que há poucos meses comandava a pasta da Justiça e Segurança Pública do governo Lula, tem liderado a tentativa de controle sobre as emendas parlamentares. Recentemente, pediu que Lira explicasse por que razão ainda não abriu a Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) para investigar abusos cometidos por planos de saúde. Apoiada por 310 deputados, mais de três quintos da Câmara, a abertura da CPI tem sido protelada pelo presidente da Casa.

Na reunião de terça-feira (20), na sede do Supremo, os dois se sentaram afastados um do outro. Quando se discutiam as emendas parlamentares de comissão e de bancada, Dino marcou posição: “não pode mais ter rachadinha”, disse, mirando Lira e Rodrigo Pacheco, acomodados no lado oposto do salão. Em outro momento, Dino fez alusão às fraudes cometidas contra o SUS no Maranhão. Conforme revelou a piauí, cidades do interior do estado inflaram artificialmente dados de atendimentos médicos para, com isso, receber mais repasses de Saúde. Pedreiras (MA), por exemplo, registrou 540,6 mil exodontias, o nome técnico da extração dentária. Para chegar a tanto, o município teria que ter arrancado catorze dentes de cada morador.

Dino, que era governador do Maranhão na época do esquema, comentou: “Teve ‘emenda Pix’ que dava pra arrancar os dentes de uma cidade inteira.” Lira retrucou, dizendo que não era verdade, que não se tratava de emenda parlamentar. Dino, ainda assim, concluiu: “o senhor sabe que foi, eu sei que foi e o senhor sabe que eu sei.”



Piauí Folha

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