As falcatruas de um criptoboy

Embora não precisasse, Dante Felipini começou a trabalhar muito cedo, aos 14 anos, como garçom em bufê de festas infantis. Durante a graduação em direito, empregou-se em três locais diferentes como estagiário: em um cartório de notas, uma vara cível e um escritório de advocacia.

Foi nessa época que aprendeu a operar no mercado de ações da Bolsa de Valores de São Paulo. Comprava ações de empresas semifalidas e esperava alguma valorização, como fez com uma companhia do empresário Eike Batista, na qual investiu 1 mil reais e, em oito meses, lucrou 9 mil reais, relata Allan de Abreu, na edição deste mês da piauí.

Com o lucro, comprou algumas armas de airsoft de fornecedores do Paraná e do Vale do Paraíba e as revendeu em uma página do Facebook. Também abriu uma empresa, montou um site na internet e trocou a casa dos pais por um flat próximo da Avenida Paulista. Em 2017, porém, as vendas começaram a cair, e o jovem desistiu da empreitada. Comprou um automóvel usado e virou motorista de aplicativo.

Com o restante de sua reserva financeira, investiu em bitcoins, moeda virtual que vivia um processo frenético de valorização – no início de 2017, 1 bitcoin valia 995 dólares; doze meses depois, passou a valer 20 mil dólares.

Felipini decidiu apostar tudo nesse novo mercado. Ingressou em um grupo de operadores de criptomoedas no Facebook chamado Bitcoin Brasil e começou a participar de eventos pelo país. Até que foi procurado por um amigo cujo pai havia morrido e deixara grandes dívidas tributárias. Para evitar que o fisco sequestrasse o dinheiro das contas bancárias do falecido, o filho pediu que Felipini investisse 150 mil reais em criptomoedas – aplicação mais difícil de ser rastreada pela Receita –, em troca de uma remuneração.

Deu certo. Seu próximo passo na nova carreira foi investir 100 mil reais em criptomoedas para um empresário chinês radicado em São Paulo. Até a década passada, os lojistas do comércio popular paulistano faziam operações dólar-cabo para enviar dinheiro aos fornecedores de mercadorias na China sem pagar tributos. Depois, passaram a adotar criptoativos para movimentar dinheiro entre os países, à margem do câmbio oficial, evitando assim o pagamento de impostos. Satisfeito, o empresário começou a levar mais e mais lojistas chineses para negociar com Felipini.

Dois anos depois, através de sua empresa Makes Exchange, ele passou a fazer operações de câmbio para a compra de criptomoedas nos Estados Unidos. De acordo com a Polícia Federal, em seus quatro primeiros anos de existência, entre 2017 e 2021, a Makes recebeu em suas contas bancárias cerca de 7 bilhões de reais no total. Três bancos – UBS, Topázio e MS Bank – se negaram a fazer essas operações de câmbio. Outros três – Genial, Master e Santander – aceitaram.

Por meio da compra e venda de criptoativos, Felipini também passou a lavar dinheiro para o tráfico internacional de cocaína, sob as vistas grossas dos bancos brasileiros. Relatórios da PF obtidos pela piauí revelam que Felipini lavou dinheiro para narcotraficantes do PCC e membros da máfia calabresa ‘Ndrangheta, além de criminosos albaneses, que embarcavam toneladas de cocaína para a Europa em portos do Nordeste. Em 2022, o bando usou uma das empresas de fachada de Felipini para transformar 26,4 milhões de reais em criptomoedas.

Em 2 de janeiro de 2023, quando já morava em Dubai, o brasileiro foi batizado como membro do Hezbollah. Para alguns amigos, ele enviou um vídeo feito no Vale do Bekaa, no Líbano, em que aprende a atirar com um fuzil AK-47. Era a primeira vez na vida que o jovem paulistano empunhava uma arma de fogo. Felipini pôs todo o seu conhecimento no mercado de criptomoedas a serviço de pessoas ligadas à organização. Entre outubro de 2022 e agosto de 2023, converteu em criptomoedas 847 mil reais a pedido do empresário sírio Mohamad Khir Abdulmajid, dono de uma rede de tabacarias em Belo Horizonte e acusado de recrutar brasileiros para serem treinados pelo Hezbollah.

Seis meses depois daquele treino de tiro, o governo israelense apreendeu 1,7 milhão de dólares em criptomoedas pertencentes ao Hezbollah e à Força Quds, uma organização paramilitar iraniana. Ao ser alertado sobre isso por um amigo, via WhatsApp, Felipini não deu a mínima. “Que se foda Israel. Cliente pediu pra pagar”, escreveu. “Eu sou facilitador, mano. Eu não quero saber. Essa é a realidade. Se eu souber que é terrorismo, arma, tráfico ou corrupção, eu vou cortar. Mas não vou me esforçar para saber.” Naquela época, ele se autointitulava o maior operador do mercado de criptomoedas do Brasil. Em um único dia, 20 de dezembro de 2023, transformou 330 milhões de reais em moedas virtuais.

Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.



Piauí Folha

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