“A ideia parece ser eliminar os palestinos”

Convidado para participar do 9º Festival piauí de Jornalismo, Amos Schocken, Publisher do Haaretz, o terceiro maior jornal em circulação em Israel, teceu duas críticas à condução do governo de Benjamin Netanyahu no conflito na Faixa de Gaza e chegou a especular sobre a ideia de extermínio.  “Netanyahu muda constantemente as condições para terminar a guerra. Sempre aparece uma nova missão, um novo lugar a ser conquistado ou destruído a fim de garantir que Israel alcance seus objetivos.” Neste final de semana, Israel intensificou os ataques a Gaza e derrubou dois arranha-céus residenciais. “Parece que a ideia é eliminar a população palestina, não realizar um objetivo militar”, disse Schocken.

A constante invenção de pretextos para manter o conflito não é recente. Em janeiro deste ano, Israel e Hamas chegaram a um acordo de cessar-fogo. Dividido em três partes, o acordo previa a libertação gradual de reféns israelenses sob controle do Hamas, a retirada das tropas israelenses de Gaza e a soltura de palestinos presos em presídios israelenses. No entanto, dois meses depois, Israel interrompeu o cessar-fogo, quebrou o acordo unilateralmente e voltou a bombardear Gaza alegando que o Hamas não havia liberado seus reféns. Para Schocken, “Israel voltou atrás no acordo” e com isso conseguiu começar “nova guerra”, disse ele, ao ser entrevistado por André Petry, diretor de redação da piauí, e Ana Clara Costa, repórter da revista.

As críticas ao governo de Benjamin Netanyahu feitas pelo publisher no festival têm sido publicadas no jornal fundado por sua família em 1935 e que sempre foi conhecido pela linha editorial progressista. Nos últimos dois anos, o periódico tem sofrido retaliações por cobrir a crise humanitária na faixa de Gaza sem endossar o discurso oficial israelense. Para Schocken, a aliança entre Estados Unidos e Israel age de tal modo que não deixa aos palestinos outra opção que não o terrorismo. “Estimulam ações de incentivo ao terrorismo do Hamas”, diz ele.

Exemplo é a não concessão de vistos aos líderes da Autoridade Palestina para comparecer à Assembleia-Geral da ONU, que começou nesta terça-feira (9) e vai até 28 de setembro, em Nova York, e as sanções impostas pelo Departamento de Estado a organizações palestinas de direitos humanos – Al Haq, o Centro Al Mezan para Direitos Humanos e o Centro Palestino para Direitos Humanos – que solicitaram ao Tribunal Penal Internacional uma investigação contra Israel por alegações de genocídio em Gaza.

“Nos anos anteriores, o presidente palestino foi e falou com todos. Eles anunciaram que, desta vez, não concederão vistos, embora isso seja contrário ao acordo entre os Estados Unidos e a ONU sobre a necessidade de permitir que todos participem da Conferência, mesmo que os norte-americanos não gostem deles. Outra coisa que aconteceu recentemente foram as sanções contra as organizações palestinas de direitos humanos. São ações de incentivo ao terrorismo, porque se você não permite que os palestinos reclamem do regime de apartheid de Israel nos territórios ocupados, o que resta a eles além de recorrer ao terrorismo? A situação em Washington não ajuda a resolver o problema que Israel tem hoje.”

Em razão da gravidade do conflito – da matança de civis e da fome, que configura uma gravíssima crise humanitária –, Schocken acha que Israel sofrerá duras consequências de uma crise moral. “Será terrível”, diz ele, referindo-se ao futuro. “Nós não encontramos um jeito de resolver este conflito. Acho que, para Israel, é algo que muitas pessoas simplesmente querem ver resolvido. É isso o que devemos aspirar: viver em paz com todos os nossos vizinhos.”

Schocken tem 80 anos. Ele havia confirmado a participação presencial no festival em maio, mas, dias antes, precisou desmarcar a viagem ao Brasil e propôs falar por videoconferência. De um computador na redação do Haaretz, em Tel Aviv, o publisher do jornal disse por que acredita que o sionismo é uma ideia válida: “Os judeus merecem um lugar para governar por conta própria. Mas os líderes que temos hoje mudaram o significado do sionismo de tal forma que eu chamo a abordagem deles de antissionismo. Manter palestinos sob um regime de brutalidade destrói a nossa capacidade de construir uma nação.”

Nos primeiros meses do conflito em Gaza, o Haaretz foi acusado de fazer propaganda em prol do terrorismo do Hamas por narrar a morte dos palestinos. Schocken viu o seu jornal sofrer sanções governamentais por contrariar o discurso oficial – Netanyahu proibiu agências estatais de publicarem anúncios no Haaretz e cancelou as compras de assinaturas para funcionários públicos –, mas não diminuiu o nível crítico da cobertura. Durante o evento da piauí, ele leu um trecho do editorial publicado naquele mesmo dia no Haaretz: “Só em agosto, mais de setenta pessoas foram mortas por dia pelas Forças de Defesa de Israel. (…) A maioria morreu quando suas tendas, casas ou ruas foram bombardeadas.”

Pelo modo como o conflito está se desenrolando, Schocken acredita que Netanyahu será lembrado como o pior líder da história de Israel. Em sua opinião, o primeiro-ministro poderia ter sido um bom líder se tivesse ouvido a sugestão do ex-presidente americano Joe Biden para criar um Estado independente para o povo palestino. “O ataque inicial do Hamas foi horrível. É claro que eles mereciam uma resposta”, disse. “Mas é difícil entender o motivo de tantos palestinos estarem sendo mortos em Gaza por causa das ações do Hamas.”

O ministro das finanças de Israel, Bezalel Smotrich, é influente no governo e não tem pudor ao liberar orçamento para as investidas bélicas do país. No ano passado, Smotrich declarou que poderia ser “justificado e moral” matar de fome 2 milhões de pessoas em Gaza, se isso fosse necessário para o Hamas devolver os reféns israelenses – segundo o governo de Netanyahu, são 47 reféns. Schocken considera que a posição de Smotrich é igual à de Yahya Sinwar, o ex-líder do Hamas: os dois querem o controle absoluto de todo o território e fariam o que fosse necessário para atingir o objetivo. (Sinwar foi morto pelo exército isralesente em outubro de 2024.)

Ainda assim, afirmou que “o que Smotrich financia e incentiva é um crime contra a humanidade. Há dois anos, os palestinos são mandados embora e atacados. Israel mata seus animais e destroem suas casas. A vida deles virou um inferno”.

O conflito em Gaza já matou mais jornalistas e profissionais de mídia do que qualquer guerra da história mundial, segundo levantamento da Watson Institute for International and Public Affairs. A Al Jazeera estima que cerca de 270 profissionais foram assassinados desde o dia 7 de outubro de 2023. O diretor de redação piauí perguntou a Schocken se ele acredita que a matança de jornalistas é um acidente ou um método. “Não tenho provas de que as mortes foram planejadas, mas tampouco posso dizer que não foram”, disse Schocken.

Nenhum jornalista do Haaretz foi morto trabalhando em Gaza. “Acho que ninguém aqui considera a possibilidade de um jornalista israelense ser assassinado. Israel não é a Rússia de Vladimir Putin”, afirmou Schocken. “Netanyahu tem mais inveja da maneira como Donald Trump governa, com os agentes do Estado sendo mais leais ao líder do que ao povo. Ele quer fazer em Israel o que está sendo feito nos Estados Unidos, na Hungria e em outros regimes autocráticos.”



Piauí Folha

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