Na manhã desta sexta-feira (12), agentes da Polícia Federal encheram viaturas com obras de arte, esculturas de bronze, relógios e garrafas de destilados no Jardim Europa, bairro da Zona Oeste de São Paulo. A apreensão de luxo se deu na mansão do advogado Nelson Wilians, um dos mais afortunados da advocacia nacional, conhecido por exibir de forma desinibida sua riqueza nas redes sociais. Entre as obras de arte apreendidas pela PF estavam cinco quadros com a assinatura do pintor Di Cavalcanti (1897-1976), que costumam ser disputados em leilões por milhões de reais – isso, claro, se forem verdadeiros, o que será avaliado por perícia. A polícia suspeita de que o faustoso patrimônio de Wilians deriva, em parte, do dinheiro que foi desviado de aposentados e pensionistas, ao longo de anos, no escândalo do INSS.
Trata-se de uma nova fase da Operação Sem Desconto, que foi deflagrada em abril, revelando pela primeira vez o esquema fraudulento que desviou bilhões de reais. Nesta sexta-feira (12), além de cumprir mandados de busca e apreensão contra Wilians, a PF prendeu Antônio Carlos Camilo Antunes – conhecido como o Careca do INSS – e Maurício Camisotti, empresário que controla três associações diretamente implicadas nas fraudes: Ambec, Cebap e Unsbras. São entidades que faziam descontos nos contracheques de aposentados e pensionistas sem o consentimento deles, segundo as investigações da PF. As medidas foram autorizadas pelo ministro André Mendonça, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).
O Careca do INSS é acusado de ser o principal operador financeiro por trás dos desvios de aposentadorias. A participação de Camisotti também já havia sido fartamente documentada pela Polícia Federal. A novidade é Wilians. Embora algumas movimentações financeiras suas já tivessem aparecido em relatórios do Coaf incluídos no inquérito, o advogado não constava formalmente como investigado. Agora, seu nome aparece na representação da PF como parte da engrenagem que movimentou bilhões de reais em descontos indevidos do INSS. Planos de saúde e sites de apostas estão entre os clientes multimilionários do escritório de Wilians.
A PF suspeita de que o advogado seja sócio oculto de Camisotti nas associações que operaram os desvios de recursos. Foram encontradas transações financeiras entre os dois, somando pelo menos 28 milhões de reais. Os investigadores trabalham com a hipótese de que Wilians auxiliou Camisotti a lavar dinheiro. Um dos sócios de Wilians, o advogado Fernando dos Santos Andrade Cavalcanti, também foi alvo de busca e apreensão hoje pela manhã — uma Ferrari vermelha, de posse dele, foi apreendida pela PF.
É a primeira vez que a operação, antes centrada em personagens de bastidores e associações pouco conhecidas, alcança uma figura de tamanha visibilidade como Wilians. Os policiais já haviam se deparado com carros de luxo no curso da investigação atribuídos ao Careca do INSS, mas a apreensão na casa do advogado leva o caso a outro patamar da pirâmide social. Além das obras que podem ser de Di Cavalcanti e das bebidas de grife, os agentes empacotaram esculturas de bronze e um rifle. Em sua estante, destacava-se um boné vermelho com a inscrição Make America great again (MAGA), adereço padrão dos apoiadores do presidente Donald Trump.
Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, Wilians disse que tem colaborado integralmente com as autoridades e confia que a apuração demonstrará sua total inocência. Ele diz que sua relação com Camisotti é de advogado e cliente, “estritamente profissional e legal, o que será comprovado de forma cabal”. Ainda segundo a assessoria, “os valores por ele [Wilians] transferidos [a Camisotti] referem-se à aquisição de um terreno vizinho à sua residência, transação lícita e de fácil comprovação”. A assessoria também disse à piauí que os quadros de Di Cavalcanti são legítimos.
A defesa do empresário Maurício Camisotti afirmou que não há qualquer motivo que justifique sua prisão na investigação de fraudes no INSS, e classificou de arbitrária a apreensão de seu celular no momento em que falava com seu advogado. “A defesa reitera que adotará todas as medidas legais cabíveis para reverter a prisão e assegurar o pleno respeito aos direitos e garantias fundamentais do empresário”, diz a nota. Até a publicação desta reportagem, a defesa de Antônio Carlos Camilo Antunes não havia respondido o pedido de manifestação da piauí.