O fundo do palco do Auditório Ibirapuera se abriu e Letícia Novaes apareceu, à contraluz, usando uma capa que cobria todo o seu corpo – só a cabeça ficava de fora. Os músicos de sua banda vestiam roupas de cores flamantes que lembravam o psicodelismo dos anos 1960. Abrindo um dos shows mais importantes da turnê de 2019, Novaes cantou Vai render e depois saudou o público. Despiu a capa para revelar o que ela usava por baixo: vestido, luvas e sapatos vermelhos, mesma cor do batom. E então contou uma história.
Seu avô, disse ela, foi mordomo do Chacrinha. Certa noite, quando ela era bem pequena, ainda de fraldas, o apresentador deu uma festa. Hebe Camargo era uma das convidadas. “Nessa festa, aconteceram muitas idiossincrasias, para não dizer putarias. A Hebe não queria que eu visse. Daí ela começou a me dar vinho, pra que eu dormisse, pra eu apagar, pra me matar.” A audiência cai na gargalhada. “Só que eu não dormi, eu não apaguei, eu não morri”, contou a cantora, com o semblante subitamente sério. O teatro fica em silêncio. “Eu saí correndo pela festa perguntando: ‘Quem está aí?’ Nesta noite, a pergunta volta de uma maneira esquisita, estranha. Eu preciso saber quem está aqui”, disse ela, curvando-se rapidamente ao público. A história deu a deixa para um de seus maiores sucessos, Ninguém perguntou por você – cujo clipe conta com as participações de Bruna Linzmeyer e Camila Pitanga.
É tudo ficção: quem está em cena não é Letícia Novaes, de 43 anos, mas uma criação sua chamada Letrux. A personagem pode até ser neta do mordomo do Chacrinha e descendente muito distante de William Shakespeare – como ela diz em outro momento do mesmo monólogo. Novaes, no entanto, é uma carioca do bairro da Tijuca sem ancestrais famosos, que no início do século começou a estudar Letras na UFRJ e se frustrou com a faculdade. “Imaginava que seria algo como Sociedade dos poetas mortos”, diz ela, justificando o abandono do curso. Sua mãe, Sônia, decidiu matricular a filha na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), na graduação em artes cênicas. Nesse curso, Novaes foi contemporânea de Fábio Porchat e Paulo Gustavo.
Embora por um tempo tenha se aventurado em uma companhia de comédia stand up, a atriz e cantora não seguiu o caminho dos dois colegas humoristas. “Eu gosto de passear entre universos e a comédia não é bem um passeio panorâmico”, diz. Novaes trafega melhor em textos híbridos, com um humor meio perverso e um flerte com a melancolia, como se vê no monólogo que precede Ninguém perguntou por você.
Letrux tem dois antepassados não tão bem-sucedidos: Letícios e Letuce. Há ainda um terceiro antecessor, Vedete, a pior cantora do mundo, que ficou no esboço – nem chegou a pisar no palco.
Letícios foi uma banda que Novaes montou em 2005 e durou só dois anos. Não gravou discos. Em 2007, Novaes e seu companheiro da época, o multi-instrumentista Lucas Vasconcellos, formaram o duo Letuce, que lançou três álbuns: Fuga pra cima dos outros e de mim, de 2009 (que, além de canções próprias, incluía versões de Acontecimentos, de Marina Lima, e Caso sério, de Rita Lee e Roberto de Carvalho), Manja perene, de 2012, e Estilhaça, de 2015. As músicas dos dois primeiros refletiam a vida romântica do casal; e o terceiro, a separação, ocorrida em 2013. O último show foi em um coreto da Praça São Roque, em Paquetá, em 2016. O lugar estava cheio e o público cantava as músicas a plenos pulmões.
O Letuce fez algum sucesso em um nicho alternativo, centrado entre São Paulo e Rio. Parecia confirmar a predição feita por um astrólogo que Novaes procurou no ano 2000 para fazer a leitura de seu mapa astral: ela seria uma figura pública, mas não tão conhecida. Roberta Martinelli, jornalista musical e apresentadora do programa Cultura Livre, diz que, depois do fim do Letuce, corria nos meios artísticos “uma especulação” de que Letícia Novaes não vingaria sozinha em sua carreira, pois ela não seria tão forte na “parte musical”.
No estertor do Letuce, entre 2015 e 2016, consolidou-se a parceria de Novaes com o tecladista Arthur Braganti. Os dois montaram um show com elementos teatrais que teve uma temporada no Café Pequeno, no Leblon. Também conceberam o projeto de uma peça que seguiria Vedete, cantora fracassada, em seu último dia de vida (até sua doença era carregada de drama: um câncer no coração). Considerada uma boa ideia (por seus autores), o show da pior cantora do mundo não ganhou os editais de financiamento em que concorreu. Mas até esse malogro abriu caminho para Letrux, explica Braganti: “Tudo que fizemos juntos influenciou diretamente a criação da personagem. Havia uma teatralidade decadente, da noite, sem medo do tropeço.”
Letrux ainda não dava as caras em Tru e Tro com sua corja em desfrute ou frite, espetáculo que Novaes e Braganti encenaram em 2017, mas bem que poderia ser ela no palco. Letícia entrava em cena vestida de noiva (“uma noiva abandonada”, diz), carregada pelos músicos. O repertório incluía uma versão de Take my breath away, da trilha sonora de Top Gun, que Novaes cantava tossindo. A certa altura do show, Braganti lia o Manifesto Capenguista, obra dele mesmo, em defesa da arte mambembe.
Novaes começou a matutar sobre seus rumos musicais. Concluiu que gostava de trabalhar na ambiguidade entre comédia e drama – ou, na expressão dela, ali “onde a fossa dança e o gozo dói”. Estava para inaugurar uma nova fase de sua carreira. Decidiu que seu nome próprio, Letícia, era “sisudo demais” para a novidade. Como fizera na banda e no duo, buscou uma variação a partir das três letras iniciais: Letrux (aliás, para um eventual projeto futuro, Novaes já tem outro apelido na manga: Letruska).
“Na minha vida não tem atalho, cada dia era como uma montanha”, diz Novaes. A produção dos discos do Letuce foi bancada com o patrocínio do pai e de amigos ou financiamento coletivo. Como artista solo, ela submeteu o projeto de um novo disco a editais públicos e privados, sem sucesso.
Só os astros acreditavam em Letrux: em uma consulta com o astrólogo Dimitri Camiloto, Novaes ouviu que “uma parada” aconteceria em sua vida. No dia 21 de abril de 2017, data sugerida pelo astrólogo, a artista lançou uma nova campanha on-line de arrecadação para financiar o novo álbum. No vídeo promocional do crowdfunding, Letícia (ou Letrux) aparece com grandes delineados nos olhos, dançando, ao som de uivos de lobos, sem música. O objetivo era conseguir 33 mil reais. Com cerca de 430 doadores, ela conseguiu 37 mil reais.
Lançado em 10 de julho de 2017 (“eu queria que o disco fosse canceriano”, diz Novaes), Em noite de climão, primeiro álbum de Letrux, traz onze canções, mais dois interlúdios. As músicas foram compostas por Novaes, sozinha ou com parceiros, entre o fim de 2016 e início do ano seguinte. Os produtores, Braganti e Navalha Carrera, buscaram uma sonoridade inspirada pela música eletrônica feita no Rio nos anos 1980. As referências eram Fernanda Abreu e Marina Lima, “a musa inspiradora do álbum”, segundo Braganti (a cantora de Fullgás faz uma participação especial em uma das faixas do disco, Puro disfarce). As letras são orientadas por um sentimento dramático: a fossa.
Era praticamente um reinício de carreira para Letícia Novaes, então com 36 anos. A faixa de abertura do trabalho, Vai render, profetiza: “Tatua na tua pele que eu não vou passar batida na festinha.” Os shows de lançamento foram em junho, no Centro de Referência da Música Carioca, na Tijuca, bairro em que a cantora passou boa parte da vida. “A plateia era meu pai, minha mãe, minha avó”, lembra Novaes, exagerando um tanto no humor autodepreciativo. A banda tinha Navalha Carrera e Martha V nas guitarras, Thiago Rebello no baixo, Lourenço Vasconcellos na bateria e Arthur Braganti no teclado.
Pouco mais de um mês depois, quando apresentou o mesmo show no Centro Cultural São Paulo, Novaes se surpreendeu: “As pessoas sabiam cantar as músicas.” Confirmava-se o título da canção: vai render. Letrux era “uma onda que ia demorar a quebrar”. A turnê de Em noite de climão durou mais de dois anos, com datas em todas as regiões do país.
Na resenha do disco de estreia de Letrux em sua coluna no site G1, o crítico Mauro Ferreira mostrou-se cético em relação ao alcance do trabalho, que estaria, segundo ele, condenado a ser ouvido apenas pela turma indie: “Há cantores e grupos da cena contemporânea brasileira que vivem dentro de uma bolha, protegidos por rede de amigos influentes que incluem jornalistas da área musical, artistas e simpatizantes com ares e poses de formadores de opinião.” Três anos depois, quando escreveu sobre Aos Prantos, segundo disco de Letrux, ele reconheceu que estava errado: “Com a edição do primeiro álbum solo, Em noite de climão, a cantora e compositora carioca Letícia Novaes contrariou previsões equivocadas — como a deste colunista e crítico musical — e rompeu a bolha amiga em que gravitou o já extinto duo Letuce.”
Prêmio Multishow de melhor disco de 2017 e listado entre os 50 melhores daquele ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), Em noite de climão repercutiu dentro e fora da bolha – tanto que a editora Cobogó acaba de publicar um livro sobre o disco e seus bastidores, escrito por Martinelli. Será parte da coleção O Livro do disco, em que já saíram obras sobre álbuns como A Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben Jor, e Clube da esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges.
Em 2019, Letícia fez a viagem dos seus sonhos à Grécia. Em uma praia da Ilha de Milos, compôs Déjà-vu frenesi, canção que abre seu segundo álbum, Aos prantos. Ela já vinha trabalhando nas letras desde o ano anterior, em parceria com Braganti e outros membros da banda. Desta vez, seria um disco “pisciano, de água”. A ilustração da capa mostra Letrux sentada de frente, segurando uma pintura de seu rosto choroso, com uma onda estilizada às suas costas, como se estivesse para quebrar sobre ela. A produção foi financiada pela Natura Musical, com apoio da Lei de Incentivo à Cultura.
A primeira frase de Déjà-vu frenesi, que a compositora repetiu como mantra nas férias europeias, já anunciava a ressaca que veio depois das batidas eletrônicas dançantes no disco anterior: “Todo corpo tem água/ Lágrima, suor e gozo.” O álbum explora sonoridades diversas: o electro-pop já presente no disco anterior convive com um samba triste de cinco minutos, Cuidado, paixão, e Letrux roça no rock em Esse filme que passou foi bom. As letras, sempre espertas, ficaram mais ousadas. Falam a um só tempo de sexo e solidão, como em Fora da foda (com participação especial da cantora Luísa Lovefoxxx, da banda Cansei de ser sexy), que descreve a frustração de ser deixado de fora em um ménage. Anunciado como um convite ao choro, Aos Prantos foi produzido pela mesma dupla de Em noite de climão. “A intenção era criar uma sonoridade mais brilhante que a do Climão”, diz Arthur Braganti.
O lançamento foi em uma sexta-feira 13, em março de 2020. Naquele dia, Novaes foi de manhã à praia e almoçou num restaurante caro em Ipanema, onde morava. Em uma mesa vizinha, viu que duas pessoas já usavam máscara – sinal do isolamento que estava por vir. Na noite do mesmo dia, “o mundo fechou”, ela diz. Com shows agendados até o fim do ano, ela acreditou, por um momento, que a pandemia seria coisa passageira, que em quinze dias a rotina voltaria ao normal.
O isolamento trouxe uma experiência nova para a cantora: “Pela primeira vez, eu me ouvi.” Saudosa da troca calorosa com o público, ela se permitiu escutar suas próprias gravações, prática que só adotou durante a pandemia. Novaes conta que muitos fãs ainda hoje lhe dizem que Aos prantos foi um companheiro no período pandêmico. Canções sobre solidão caíam bem então: “A maior glória do álbum foi criar um ambiente permissivo à emoção.” Uma frase de Abalos sísmicos ressoou entre os fãs: “Acordei bem, mas o país não colabora/ Nem você.”
Como muitos músicos durante a pandemia, Novaes sobreviveu de lives, às vezes patrocinadas por empresas. Teve de deixar um apartamento recentemente alugado em Ipanema. Buscou refúgio na casa de sua família em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, um lugar afetivo, onde ela havia passado muitas temporadas na infância e na adolescência. Lá escreveu Tudo que já nadei (Editora Planeta), livro composto, como diz o subtítulo, de “ressaca, quebra-mar e marolinhas” – em termos mais convencionais, prosa, poesia e aforismos. A obra, que vendeu cerca de 16 mil exemplares, rememora os verões na casa da praia onde a autora buscou abrigo durante a pandemia. Até os 18 anos, Novaes, nascida em 5 de janeiro, celebrou todos seus aniversários lá.
Esse período de recolhimento e o retorno aos palcos em 2022 está registrado em Letrux: Viver é um frenesi, documentário dirigido por Marcio Debellian. No filme, ela lembra que sua avó Marphisa, dona da casa onde estava abrigada, fazia doações regulares ao Retiro dos Artistas, que abriga profissionais das artes em dificuldades, e encontra nesse fato um paralelo para sua própria situação: “No meio do caos pandêmico, ela transformou a casa de férias da família no meu retiro. Sou artista e preciso pecar.”
Aos 13 anos, Letícia Novaes já media 1,83 metro (só dois centímetros a menos que sua altura atual) e era bem “esquisita”, como gosta de dizer. Não viveu a adolescência rebelde que muitos associam a estrelas pop: “Não beijei na boca e só fui beber com 24 anos.” A esquisitice e o apelido de “girafa” que ganhou na escola inspiraram Letrux como mulher girafa, terceiro disco da personagem de Novaes, lançado em 2023. É uma homenagem ao reino animal, com bichos dando título à maior parte das canções: Formiga, Zebra, Crocodilo, Louva Deusa. E é um abraço na esquisitice, inclusive nos relacionamentos amorosos: “Embora não pareça, foi com amor que te destrinchei”, canta Letrux em As feras, essas queridas.
Escanteada como esquisita na escola e relegada a uma bolha nos primeiros anos da carreira musical, Novaes ficou assustada ao constatar que, depois do impacto de Climão, alguns fãs até fizeram tatuagens com o rosto dela. Por acaso, enquanto falava à reportagem em um bar na Praça Afonso Pena, na Tijuca, uma mulher passou do outro lado da rua com uma camisa estampada com a cara de Letrux. “Sou eu”, gritou Novaes. A passante ficou sem reação.
O sucesso desencadeia suas crises: Novaes tem buscado o amparo da psicanálise – voltou ao divã depois de um tempo de alta – e da maconha. A espiritualidade da cantora também é muito peculiar. É quase como se a bipolaridade que marca a personagem Letrux se refletisse nas práticas religiosas de sua criadora. No domingo em que recebeu a piauí – seus dias estavam comprometidos pela intensa agenda de shows –, Novaes havia ido à missa de manhã, em busca de ajuda divina para encontrar uma nova casa. E planejava ir no dia seguinte à sessão de Exu e Pombagira, num terreiro em São Cristóvão. “Metade da minha família é da igreja. Já a outra metade, do terreiro”, explica.
Embora sua música trate de temas pessoais, Letícia Novaes – ou Letrux: às vezes é difícil separar uma da outra – tem uma postura política clara, que se revelou nos anos que vão do impeachment de Dilma Rousseff ao governo de Jair Bolsonaro. Puro disfarce prestou-se bem para um desabafo contra a situação do país. A letra fala de uma desavença romântica que estoura no refrão em que a cantora grita “socorro!”. No festival Lollapalooza, em 2019, Letrux fez um discurso revoltado e desaforado antes desse ápice: “Hoje faz um ano que o Lula está preso e vocês sabem muito bem por que isso está acontecendo. Então se unam a mim num grito que vem do cu, que vem do esôfago, que vem do cérebro, que vem do pentelho: Fora Bolsonaro!”
A apresentação causou burburinho. Arthur Braganti observa que o público de Letrux, em boa parte composto de pessoas LGBTQ+ inconformadas com a retórica notoriamente homofóbica do então presidente, dava por si só ares políticos aos shows. A própria cantora descobriu-se bissexual em 2015 e está antenada às questões de gênero. “As pessoas se sentem acolhidas nas apresentações”, ela garante.
Desde 2021, Novaes vem mantendo dois relacionamentos: com o músico Thiago Vivas, seu parceiro na composição de algumas canções e companheiro de apartamento, e Katja, uma alemã radicada na cidade mineira de Camanducaia. Não se trata de um trisal: “Até tentamos ter algo a três, mas não foi o caso. O caso foi ter um parceiro e uma parceira”, explica Novaes. As duas parceiras decidiram ter um bebê juntas, e agora Katja espera uma menina – o nome ainda não foi escolhido. Por ora, todos os finais de semana de Novaes estão ocupados por shows de sua nova turnê, 20 anos alternativa. Mas, daqui a dois ou três meses, a cantora terá de adaptar a agenda de apresentações às exigências da maternidade. Katja vai se mudar para o Rio com o bebê.
No fim de agosto, Novaes lançará um novo livro, Brincadeiras à parte (Planeta), uma coletânea de contos. As brincadeiras do título envolvem sexualidade, feminismo, amizade, relacionamentos e, claro, música. A autora por enquanto vem se dedicando só a textos breves, mas está tomando coragem para, no futuro, se aventurar na escrita de um romance.
A turnê estreou no Sesc Belenzinho, em São Paulo, no dia 21 de junho. É uma revisão da carreira de Letícia Novaes desde os tempos da banda Letícios. O repertório rende homenagem ao que a cantora chama de “a bolha que me abraçou”. Novaes interpreta canções de Anelis Assumpção, Cansei de ser sexy, Mombojó, Thiago Pethit e outros grupos e artistas com quem compartilha a mesma cena musical.
No mês seguinte, Novaes e sua banda se apresentaram no Circo Voador. Para anunciar sua entrada, Lencinho, algo como um mestre de cerimônias da tradicional casa de shows carioca, falou ao público sobre o lugar de Letrux na música brasileira atual: “Essa geração fez e faz história aqui no palco do Circo Voador, em festivais e em todo o Brasil. Essa geração lutou, sorriu, chorou, se reergueu e estamos aqui para contar a história de vinte anos de música alternativa do nosso país.” O público aplaudiu e ele continuou: “E para contar essa história, ninguém melhor que ela, que já foi climão, sofrência e mulher girafa. E que ainda será muitas, inclusive aqui nesse palco. Senhoras e senhores, recebam com muito carinho, direto da Tijuca, a rainha do alternativo, LEEEEEEEEETRUX!”
Lá estava ela, com uma jaqueta prateada bem maior que seu tamanho, um penteado que parecia um moicano e uma calça legging com seu próprio rosto estampado nas duas coxas. Pouco depois, tirou a jaqueta e expôs a camiseta com a palavra “alternativa” cravejada em paetês na altura do peito. “O streaming nem funcionava direito, nem existia. Toda uma geração e várias músicas ficaram num limbo. Então, eu vou cantar minha tchurma e espero que vocês gostem”, disse Novaes, para em seguida emendar Efêmera, de Tulipa Ruiz.
“Alternativo” é uma dessas classificações musicais que muita gente usa mas ninguém sabe definir. Roberta Martinelli tem ressalvas ao emprego desse adjetivo para definir Letrux, que circula por vários gêneros musicais, do eletrônico ao samba. A jornalista considera mais apropriado falar simplesmente em “música brasileira”. Embora tenha usado a palavra no nome de sua turnê, a própria Letícia Novaes prefere dizer que é “independente” – em termos financeiros e estilísticos. Não se preocupa com os rótulos: sua certeza (uma das poucas afirmações que fez sem rodeios à piauí) é uma só: “sem tesão, meu trabalho não existe.”