“O que aconteceu de uma semana pra cá foi o melhor que podia ter acontecido”, disse o ministro da Fazenda Fernando Haddad, nesta terça-feira (3), no Encontros piauí em Brasília. Ele se referia às reuniões que fez nos últimos dias com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O governo vive um impasse desde que anunciou um decreto elevando em parte o IOF, o Imposto sobre Operações Financeiras. A medida foi contestada por investidores e por parte do Congresso.
“Vamos buscar abrir outras alternativas. A maneira como está sendo conduzido por Senado e Câmara é a melhor possível”, continuou Haddad, entrevistado pela repórter da piauí Ana Clara Costa e pela líder de Políticas Públicas do Youtube no Brasil, Alana Rizzo. “Para mim, foi muito bom. Eu sofro bastante no cargo, mas tenho essas alegrias, de encontrar uma brecha. Não tem sido fácil para nenhum ministro da Fazenda, mas gosto de onde estou, sobretudo se conseguir chegar do outro lado da margem com um país mais organizado.”
O Encontros piauí acontece no Hotel Brasília Palace. Entre os convidados, além de Haddad, estão a senadora Tereza Cristina (PP-MS) e o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino.
O ministro da Fazenda vive dias intensos desde que anunciou o decreto alterando o IOF, duas semanas atrás. O texto aumentava a cobrança desse imposto sobre planos de previdência privada, sobre o crédito de empresas e sobre operações de câmbio tanto de empresas quanto de pessoas físicas. A notícia foi mal recebida por investidores, causou a disparada do dólar e desgastou o governo. Opondo-se a Haddad, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse publicamente ser contra o uso do IOF como instrumento de arrecadação. O resultado é que, horas depois de anunciar o decreto, ainda no mesmo dia, o Ministério da Fazenda prometeu abrandá-lo. Foi cancelado o aumento do imposto sobre investimentos de fundos nacionais no exterior.
“Cada um está agindo segundo o que pensa ser o melhor”, disse Haddad, comentando a pressão do Congresso pela alteração do decreto. “Seria um equívoco atribuir malícia ou má-vontade, a quem quer que seja. Não me parece ser isso.” O ministro defendeu sua gestão na Fazenda. “A deterioração do ambiente fiscal no Brasil tem mais de dez anos. Chegou um governo que quer resolver, e resolver de maneira inédita. Falar em ajuste de contas públicas não é uma coisa tão nova. Mas nunca vi um governo se dispor a fazer um ajuste sem penalizar a população mais fragilizada”, disse Haddad. “A história do Brasil é chamar os pobres para se sacrificarem um século a mais. Já foram cinco.”
O recuo em relação ao decreto do IOF não foi suficiente, por ora, para estancar a crise. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse no final da semana passada que a equipe econômica do governo tinha dez dias para apresentar uma alternativa ao aumento do imposto. As negociações vêm se arrastando. Na segunda-feira (2), Haddad se reuniu novamente com Motta e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Depois do encontro, o ministro afirmou à imprensa ter acertado novas medidas para calibrar o decreto, mas não as especificou. Uma solução para o impasse foi prometida para esta terça-feira (3). O objetivo é desatar todos os nós antes que Lula embarque para uma viagem oficial à França, na noite de hoje.
A Folha de S.Paulo noticiou na segunda-feira (2) que, para compensar o recuo no IOF, o governo vinha estudando a possibilidade de obter receitas extras no setor de petróleo. As medidas, segundo o jornal, foram discutidas por Lula com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A estimativa é de que elas podem turbinar em 35 bilhões de reais os cofres do governo até o ano que vem, aliviando o cenário de restrição orçamentária. Outras alternativas são consideradas.
Esse não foi o primeiro recuo que Haddad se viu forçado a fazer. Em janeiro, emparedado pela oposição, o ministro revogou uma norma da Receita Federal que ampliava a fiscalização sobre transações de pessoas físicas via Pix que somassem ao menos 5 mil reais por mês. Antes disso, em 2023, desistiu de acabar com a isenção de impostos sobre compras internacionais de até 50 dólares, que afetava plataformas de comércio eletrônico como a Shein (a medida ganhou o apelido de “taxa das blusinhas”).
Graças a esses episódios, Haddad vem sofrendo um desgaste contínuo. Uma situação muito diferente daquela do começo do governo. Quando a piauí o perfilou, em agosto de 2023, o ministro vivia boa fase: havia conseguido estabelecer boas relações com o Congresso e, apesar das previsões pessimistas do mercado financeiro, assistia a uma melhora nos indicadores econômicos. Os resultados obtidos pela Fazenda reforçavam a posição de Haddad como o mais provável sucessor de Lula. Hoje isso é mais incerto.